ARTIGOS

12/01/2016
Soberania de Deus versus autonomia humana

Paulo César Bornelli  

 


Estamos vivendo uma época de grande transformação, época de mudança de valores, de conceitos, uma verdadeira revolução  na  maneira  de pensar e, conseqüentemente, de viver. Como sabemos, os nossos conceitos, os nossos pressupostos, determinam o resultado, estimulando nossas emoções em forma de desejos que direcionam as nossas atitudes. Sabemos que, nenhuma escolha é feita sem emoções,  pois  as  nossas  escolhas, representam  sempre aquilo que no momento  se nos  apresenta como  sendo o  melhor.

Até mesmo um suicida, por incrível que pareça, está fazendo opção pelo que lhe pareça melhor. As emoções estão para a alma como o leme está para um navio;  se este leme for dirigido por uma mão habilitada levará o navio para  onde quiser o timoneiro. Neste caso, o timoneiro é a nossa mente, e o leme as nossas emoções. Portanto, podemos mesmo afirmar que, o que arrebata as emoções conquista as pessoas. É inútil contender contra qualquer coisa que tenha o poder de arrebatar as nossas emoções, tal coisa haverá de prevalecer no final. O homem foi criado para conhecer a Deus por intermédio da sua mente, para desejá-Lo através de suas emoções e para render-se a Ele por meio de sua vontade.

Esta verdade nos leva a ver a importância do ensinamento, da doutrina correta, pois está evidente que a teologia precede a ética. Isto, nós vemos no chamado sermão do monte, vemos também nas epístolas do Novo Testamento, onde a primeira parte destas são doutrinárias ou teológicas e a segunda parte, corresponde à ética. Portanto, a nossa ética, o nosso comportamento como pessoas, como famílias, os nossos valores e as nossas prioridades, queiramos ou não, evidenciam o conceito que temos de Deus, da sua soberania, da pessoa de Cristo e da Palavra de  Deus.

Este período confuso em que vivemos é chamado de pós-modernidade, que é uma verdadeira revolução filosófica, tendo como proposta principal uma nova hermenêutica, totalmente alienada da exegese. Para a pós-modernidade o importante não é a razão e sim a emoção, não é o que eu penso e sim o que eu sinto. Não existe mais verdade absoluta ou um referencial supremo e objetivo, tudo é subjetivo. Nesta nova hermenêutica não interessa a fidelidade ao texto, nem a intenção do autor, pois a única coisa importante é como eu entendo o texto; a isso deram o nome de desconstrucionismo. Afirmam que a verdade é relativa. Este novo conceito tem invadido a teologia de uma maneira avassaladora pois, dentro desta idéia, Deus não é o referencial supremo, a Bíblia deixa de ser a palavra inerrante de Deus. A soberania de Deus passou a ser questionada, e muitos teólogos evangélicos têm sugerido o abandono do Deus soberano. Isto significa dizer que Deus não é mais onisciente, nem onipotente e onipresente pois, segundo dizem, um Deus soberano limita a autonomia humana, roubando assim do homem a sua liberdade e o seu livre  arbítrio.

 

Este conceito falso, tem gerado uma verdadeira inversão na ordem pois Deus não é mais o referencial supremo, mas sim o homem. Isto gerou um antropocentrismo, pois a preocupação principal agora  é  a realização suprema  do homem; fazer com que ele se sinta bem e feliz. O evangelicalismo pós- moderno não se preocupa com a glória de Deus, mas sim com a felicidade do homem; não se preocupa mais com a teologia, mas sim com as experiências,  com as emoções. Isso tem nos levado ao pragmatismo, ao funcional em detrimento do ético. Preste atenção nos cânticos e nas orações do chamado mundo evangélico e você perceberá que o homem é o centro.

É importante compreender que, nunca teremos uma ética verdadeiramente cristã sem uma teologia bíblica, pois os nossos conceitos determinam os nossos sentimentos e as nossas ações. "Nós não pensamos como pensamos porque sentimos como sentimos, mas sentimos como sentimos porque pensamos como pensamos". Por isso a nossa vida cristã se  inicia com uma mudança de mente, uma conversão (metanóia), e Paulo nos diz em Romanos 12:2 que a nossa transformação só é possível com a renovação da nossa mente, e somos sabedores que, somente o Espírito Santo, através da Palavra de Deus, que é a espada do Espírito, conforme Hebreus 4:12  pode  operar esta transformação.

Somente esta palavra pode salvar a nossa mente e nos dar uma visão Cristocêntrica. Podemos mesmo, afirmar que a ausência da teologia bíblica é que tem sido responsável por esta grande confusão doutrinária na qual as  igrejas evangélicas se acham mergulhadas. Nunca foi tão necessário o ensinamento das doutrinas básicas da fé reformada como agora.  Provérbios 29:18 e Oséias 4:6 nos exortam que, quando um povo perde a visão, este se corrompe.

Hoje há uma grande resistência contra a doutrina, a teologia.  Como  afirma R. K. Mc Gregor Wright, "Por trás de toda mentalidade ateológica, está um princípio teológico muito bem definido que é a autonomia humana."1 Esta semente maligna foi plantada no coração do homem, lá no Éden, pelo próprio Satanás, quando sugeriu aos nossos primeiros pais que Deus era um tirano, e que através de suas palavras Ele nos escravizaria para sempre,  levando-nos assim a duvidar das palavras de Deus e conseqüentemente do Seu  caráter  santo.

Também foi-nos sugerido que, se nos libertássemos dos falsos conceitos que Deus nos havia dado, descobriríamos nossa autonomia, e seríamos como Deus. Na verdade, por trás de toda luta contra a soberania de Deus, está um espírito de rebelião (veja o caso de Mirian ao se rebelar contra a liderança de Moisés, assim também como o caso da tribo de Coré). A Bíblia nos afirma em I Samuel 15:23, "A rebelião é como o pecado de feitiçaria". Deus tem que tratar severamente contra isso.

Na realidade, a liberdade humana não conflita e nem cancela a soberania de Deus, mas a autonomia humana jamais poderá coexistir com a soberania divina. O que é autonomia? A palavra vem do prefixo auto, que significa por si próprio e da raiz nomos, que quer dizer lei. Portanto, autonomia significa ter a sua própria lei.

 

Conforme R. C. Sproul se Deus é soberano, não há possibilidade de o homem poder ser autônomo. Se o homem é autônomo, não há possibilidade de Deus poder ser soberano. Estas seriam contradições. Uma pessoa não tem que ser autônoma para ser livre, autonomia implica em liberdade absoluta. Somos livres mas há limites para nossa liberdade. O limite extremo é a soberania de Deus.2

Autonomia implica em que a vontade humana não está sujeita a causas últimas, e nem ao conselho eterno e soberano de Deus. Em verdade, a autonomia humana limita a soberania de Deus. Embora a Bíblia deixe claro que, a liberdade humana está sujeita à soberania de Deus, e que não participamos do plano eterno de Deus como robôs, sendo coagidos contra a nossa vontade. Por mais paradoxal que pareça, o fato do homem ter livre escolha, não anula a soberania de Deus.

Não somos salvos  contra nossa vontade;  a vontade está  ligada  a natureza e, quando Deus nos regenera, recebemos uma nova natureza e, conseqüentemente, temos uma nova vontade. O  problema  do  pecador  não  é  a sua vontade e sim, a sua natureza caída. A.W. Pink, diz: "O  ponto  de vista reformado, com  relação  a  responsabilidade  moral  do  homem,  é  mais  profundo e bíblico do que o arminiano;  pois  afirma que o homem  não é  responsável pela sua vontade, mas sim pela sua natureza de pecado que gera a vontade; enquanto permanecer nesta condição, não  pode  desejar  nem entender  as  coisas de Deus."3

É importante entender que a liberdade humana de escolha nada tem a ver com autonomia. Mesmo antes da queda o homem não era autônomo pois a autonomia pertence somente a Deus, Ele é totalmente livre de fatores externos ou internos que O induzam à ação. Deus não tinha nenhuma necessidade de criar, Ele é totalmente completo em si mesmo. O homem, ao contrário de Deus é criatura e, como tal, um ser limitado e responsivo. A.W. Pink diz: "A vontade humana é a faculdade de escolha, a causa imediata de todas as ações."4

Portanto, escolher implica em aceitar uma coisa e rejeitar outra. Escolher é decidir entre alternativas. Os lados positivo e negativo têm de estar presentes antes de haver escolha, pois quando não há escolha, mas completa indiferença, não há volição. Esta escolha tem sempre algo que influencia e determina a decisão. Isso nos leva a concluir que, o homem não é autônomo, nem a sua vontade é livre, pois é escrava do fator que a influencia.

A.W. Pink afirma: "A vontade humana não pode ser soberana  e serva,  não pode ser causa e efeito. Se a escolha é afetada por certas considerações, e determinada  por  várias  influências  que  operam  sobre  o  próprio     indivíduo, portanto a vontade é o efeito dessas considerações e influências, e se é o efeito, logo é serva e não pode, portanto, ser soberana."5

 

Isto nos leva a concluir que, a vontade humana não é soberana, não pode ter liberdade absoluta. Também concluímos que, os atos ou as ações, que são expressões da nossa vontade, não são produzidos por si mesmos, sem uma causa primeira. Pois, para sermos coerentes, não podemos postular um efeito sem causa, isto nos isentaria da responsabilidade moral.

É importante notar que todas as seitas têm um  denominador  comum, que é a crença na autonomia humana. R.K. Mc Gregor Wright faz a seguinte citação: "Um Deus  limitado pela autonomia humana, não é capaz de satisfazer  as necessidades de um mundo perdido". Ele procura mostrar no seu livro que a autonomia humana é, ao mesmo tempo, anti-bíblica e  irracional. Também  diz: "A idéia de Deus é radicalmente modificada, ou inteiramente descartada, à medida que a esperança de salvação é transferida para a determinação e genialidade da humanidade, e não pela graça soberana de  Deus".

J.I. Packer diz: "A asserção da absoluta soberania de Deus, na criação, providência e graça, é fundamental à crença bíblica e ao louvor bíblico".6 R.C. Sproul diz: "Se Deus recusasse permitir que alguma coisa acontecesse, e ela acontecesse mesmo assim, então o que quer que a tenha feito acontecer terá mais autoridade e poder do que o próprio Deus. Se existe alguma parte da criação fora da soberania de Deus, então Deus simplesmente não é soberano. Se Deus não é soberano, então Deus não é Deus."7

A responsabilidade moral do homem, não está baseada na autonomia humana, mas sim na ordem da criação, isto é o relacionamento entre criatura e Criador. Responsabilidade, significa que iremos responder diante de Deus pela vida, assim como, reservadas as devidas proporções, os filhos têm uma responsabilidade diante dos pais.

Toda a Bíblia nos ensina que Deus é soberano e supremo legislador de todo universo. O Salmo 103:19 diz: "Nos céus estabeleceu o Senhor o seu trono, e o seu reino domina sobre tudo". Daniel no capítulo 4:17 diz: "O Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer". Davi em I Crônicas  29:1, na sua maravilhosa oração diz: "Tua Senhor é a grandeza, o  poder,  a honra, a vitória e a majestade, porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra". O próprio Senhor Jesus nos ensina sobre a soberania de Deus, quando termina a chamada oração do Pai nosso em Mateus 6:13, dizendo: "Porque Teu é o reino, o poder e a glória para todo o sempre". O apóstolo Paulo em todas as suas cartas, fala sobre a soberania de Deus, principalmente em Romanos 11:33-36. João em Apocalipse 4:11, quando fala da visão do trono de Deus diz: "Tu  és  digno  Senhor e Deus nosso, de receber glória, honra e poder, porque todas as coisas   Tu criaste, sim por causa da Tua vontade vieram a existir e foram  criadas".

A soberania de Deus expressa Sua própria natureza onipotente, capaz de impor Sua vontade decretada e fazer cumprir tudo o que planejou. Jó, após sua terrível e gloriosa experiência com a soberania de Deus, diz no cap 42:2: "Bem sei que tudo podes, e nenhum dos Teus planos pode ser frustrado." Paulo na carta aos Efésios 1:11, proclama com exultação e adoração a soberania de Deus dizendo: "Ele faz todas as coisas conforme o conselho da Sua vontade."

 

A soberania de Deus é exercida e demonstrada na história da humanidade, na criação, na providência, na redenção. Ele dirige o destino dos homens e das nações, Atos 14:15 a 17 e 17:24 a 28. A própria história da queda ocorreu dentro dos limites da soberana vontade de Deus. Deus não foi pego de surpresa com a queda. Podemos mesmo afirmar que Ele tinha providenciado o remédio antes da doença, e tudo isso para a Sua própria glória. A crucificação de Cristo ocorreu, nos mínimos detalhes, dentro da vontade soberana de Deus.

Preste atenção como Pedro viu assim, em Atos 2:23: "Sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus...". Também, Atos 4:27-28 diz: "Porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade, contra o Teu santo servo Jesus ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a Tua mão e o Teu propósito predeterminaram." A Igreja faz parte de um plano eterno e soberano de Deus. A Igreja não é uma saída honrosa que Deus arrumou de última hora, diante da rejeição de  Israel.

A Igreja não é um plano B, porque o plano A não deu certo.  Paulo na  carta aos Efésios 1:3-14, deixa claro que a Igreja estava no coração de Deus antes da fundação do mundo. Em Tito 1:1-3 e II Timóteo 1:9-10, Paulo declara que a Igreja é antes dos tempos eternos. A Igreja primitiva entendeu claramente a verdade da soberania de Deus pois, mesmo correndo o risco de vida, eles confessavam publicamente: "Jesus Cristo é Senhor".

A doutrina da soberania de Deus é enfatizada por Paulo, Agostinho, Lutero, Calvino, John Owen, e por toda a linha reformada. Embora seja negada pelos Pelagianos, Arminianos e Liberais. Agora, mais do que em qualquer outra época, a igreja precisa rever as antigas doutrinas da graça. Pois uma vez reformada, sempre reformando.

 


 

 


A Soberania Banida _ R. K. Mc Gregor Wright _ Cultura Cristã _ p. 22

Eleitos de Deus _ R. C. Sproul _ Cultura Cristã _ p. 36

Deus é Soberano - A WPink

4 Opus.cit.

5 Opus.cit.

6 Teologia Concisa _ J. I. Packer _ Cultura Cristã _ p. 31)

7 Opus. cit.

 




 



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